sábado, 18 de setembro de 2010

O Sonho e a espera do Amor



-Cure- me de sonhar, Doutor.

É assim que Bartolomeu Sozinho, personagem saído dos nevoeiros da nostálgica Vila Cacimba, de Mia Couto, implora a seu médico, seu salvador, o remédio para a desgraça de sua vida: Sonhar. É o sonho que o mantém vivo e que o perpetua na espera de um novo amor...é este veneno de Deus que o faz arrastar seus dias, manter sua respiração a duras penas, enquanto suplica um bom remédio que dê cabo a essa capacidade diabólica que o ser humano tem de querer ser outro, de querer sonhar...

Na África moçambicana, pós-colonial, Bartolomeu é um ex-mecânico que não aprendeu a morrer. Vive seus dias de espera enquanto relembra os tempos de viagens, de partidas e chegadas no convés do navio por onde vagava nos mares...são essas lembranças que não o deixam morrer, são essas lembranças e a espera da visita do amor à sua casa que o prendem a seu corpo doente como um espírito cativo. Sua alma não pode abandonar a casa antes de experimentar por mais uma vez as delícias e os encantos da paixão, do saber-se vivo...

Diante de Sidônio Rosa, médico recém chegado de Portugal, o velho dá vida aos fantasmas de sua memória, e mais uma vez suplica ao Doutor: - Um sonhadeiro anda por aí, por lonjuras e aventuras, sei lá fazendo o que e com quem...Não haverá um remédio que me anule o sonho?
Diante do descrédito do médico com relação a este seu estranho pedido e a objeção de que o sonho é, por si só, a cura da vida, Bartolomeu se explica:
-Todos elogiam o sonho que é o compensador da vida. Mas é o contrário Doutor. A gente precisa do viver para descansar dos sonhos.

E diante dessa melancólica constatação, Sidônio, o jovem médico impossibilitado de curar seu paciente de  sua mais profunda e verdadeira dor, se cala...o que ele sabe sobre remédios para os sonhos, remédios para a alma, cura para lembranças que não se esvaem e morte para a espera do amor?

Fica no quarto apenas a fala do  velho negro...

-Estou sonhando em justa causa, Doutor. Porque eu, se não fosse o amor, ou melhor, se não fosse a espera do amor...

O silêncio faz-se maior no quarto doente...

e Bartolomeu continua a viver...Sozinho...

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